5 de maio de 2011

Lenda da aldeia histórica de Trancoso

Em Trancoso nasceu Gonçalo Anes Bandarra. Este homem simples do povo, sapateiro de profissão, profeta e autor de trovas que eram vistas e achadas de mão em mão, deu tal brado na sua época que a própria Inquisição o chamou à barra do seu tribunal, dito santo.

Deu-se o caso ter parado em Trancoso um almocreve, o qual jornadeava por esses quintos no cumprimento de um frete e tivera como roteiro de passagem a muito nobre vila de Trancoso. Trazia um par de botas para o conserto e meia dúzia de grossas bolhas nos pés.

Sabendo da existência de um despachado e competente sapateiro-Remendão, depressa se colocou à porta da oficina do dito e lhe entregou o serviço. Feito este, prontificou-se o almocreve a pagar o justo valor pela prestação da obra acabada, de qualidade e asseada. Porém, Bandarra, em vez de lhe cobrar sequer um vintém, profetizou nos versos seguintes o saldo da dívida:           
Irás e virás,       

Na praça me acharás   

Meio dentro e meio fora             

E então me pagarás.    


Foi-se o almocreve satisfeito por ter poupado alguns cobres e a julgar desaparafusado do juízo aquele trouxa que lhe passara recibo através de um verso mal alinhado. Sim, não havia mais ninguém no mundo que se deitasse a imaginar o que aquele sapateiro predizia com a estranha lengalenga. Não era de crer, para quem tivesse o juízo perfeito, que ele voltasse a Trancoso e, para mais, encontrasse de novo o sapateiro, na praça, meio dentro e meio fora. Que coisa mais esquisita!

Por isso mesmo, depois de ter ficado varado de pasmo, nunca mais o arrieiro tornou a pensar no assunto.     

Aconteceu, porém, certa incumbência de ofício fazer com que o almocreve, anos volvidos, tornasse a passar em Trancoso. Ouviu tocar os sinos a Finados e tratou de perguntar sobre quem tinha morrido na terra, pois sentia, pelo pesar de quem via, ser pessoa muito querida no lugar. Logo lhe disseram que se tinha finado o sapateiro, um tal Bandarra, honrado homem de saber, poeta e profeta.       

Um baque no peito trouxe à memória do homem aqueles versos aquando do conserto das botas. Num rufo correu até à praça. Na porta da igreja - que lhe disseram ser de São Pedro - encontrava-se o esquife onde estava depositado o corpo inerte e frio do sapateiro. Metade dentro da igreja e metade fora dela.            

O almocreve prostrou-se de joelhos e fez o sinal da cruz. Tinha finalmente compreendido o vaticínio do Bandarra. Retirou da bolsa o dinheiro necessário e custeou as despesas com o funeral. Estava quite com o homem que retardara o pagamento para tão insuspeita ocasião e que tanto predestinara por uma forma tão curiosa. 

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