16 de outubro de 2011

As histórias que nós somos

"...tecemos histórias para ser o que somos ou para ser aquilo que não somos. Num e noutro caso, buscamo-nos a nós mesmos."
(Octávio Paz)




(…)
“- Ele escreve versos!
Apontou o filho, como se entregasse criminoso na esquadra. O médico levantou os olhos, por cima das lentes, com o esforço de alpinista em topo de montanha.
- Há antecedentes na família?
- Desculpe, doutor?
O médico destrocou-se em tintins. Dona Serafina respondeu que não.
(…)
Com enfado, o clínico  dirigiu-se ao menino:
- Dói te alguma coisa?
- Dói-me a vida, doutor.
(…)
- E o que fazes quando te assaltam essas dores?
- O que melhor sei fazer, excelência.
- E o que é?
- É sonhar.
(…)
- Não continuas a escrever?
- Isto que faço não é escrever, doutor. Estou, sim, a viver. Tenho este pedaço de vidas disse, apontando um novo caderninho quase a meio.
(…)
Quem passa pode escutar a voz pausada do filho do mecânico que vai lendo, verso a verso, o seu próprio coração.”

(Mia Couto, O fio das missangas)

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